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Patativa do Assaré

( Antônio Gonçalves da Silva )

patativa.gif (21854 bytes)
 
A festa da natureza Aos poetas clássicos
A terra dos posseiros de Deus A triste partida
Burro Caboclo roceiro
Cante lá, que eu canto cá Dois quadros
Eu quero Flores murchas
Linguage dos óio Mãe preta
Nordestino sim, nordestinado não O peixe
O poeta da roça O sabiá e o gavião
O vaqueiro Vaca Estrela e boi Fubá

A festa da natureza

 

Chegando o tempo do inverno,

Tudo é amoroso e terno,

Sentindo o Pai Eterno

Sua bondade sem fim.

O nosso sertão amado,

Estrumicado e pelado,

Fica logo transformado

No mais bonito jardim.

 

Neste quadro de beleza

A gente vê com certeza

Que a musga da natureza

Tem riqueza de incantá.

Do campo até na floresta

As ave se manifesta

Compondo a sagrada orquesta

Desta festa naturá.

 

Tudo é paz, tudo é carinho,

Na construção de seus ninho,

Canta alegre os passarinho

As mais sonora canção.

E o camponês prazentero

Vai prantá fejão ligero,

Pois é o que vinga premero

Nas terras do meu sertão.

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Aos poetas clássicos

 

Poetas niversitário,

Poetas de Cademia,

De rico vocabularo

Cheio de mitologia;

Se a gente canta o que pensa,

Eu quero pedir licença,

Pois mesmo sem português

Neste livrinho apresento

O prazê e o sofrimento

De um poeta camponês.

 

Eu nasci aqui no mato,

Vivi sempre a trabaiá,

Neste meu pobre recato,

Eu não pude estudá.

No verdô de minha idade,

Só tive a felicidade

De dá um pequeno insaio

In dois livro do iscritô,

O famoso professô

Filisberto de Carvaio.

 

No premêro livro havia

Belas figuras na capa,

E no começo se lia:

A pá — O dedo do Papa,

Papa, pia, dedo, dado,

Pua, o pote de melado,

Dá-me o dado, a fera é má

E tantas coisa bonita,

Qui o meu coração parpita

Quando eu pego a rescordá.

 

Foi os livro de valô

Mais maió que vi no mundo,

Apenas daquele autô

Li o premêro e o segundo;

Mas, porém, esta leitura,

Me tirô da treva escura,

Mostrando o caminho certo,

Bastante me protegeu;

Eu juro que Jesus deu

Sarvação a Filisberto.

 

Depois que os dois livro eu li,

Fiquei me sintindo bem,

E ôtras coisinha aprendi

Sem tê lição de ninguém.

Na minha pobre linguage,

A minha lira servage

Canto o que minha arma sente

E o meu coração incerra,

As coisa de minha terra

E a vida de minha gente.

 

Poeta niversitaro,

Poeta de cademia,

De rico vocabularo

Cheio de mitologia,

Tarvez este meu livrinho

Não vá recebê carinho,

Nem lugio e nem istima,

Mas garanto sê fié

E não istruí papé

Com poesia sem rima.

 

Cheio de rima e sintindo

Quero iscrevê meu volume,

Pra não ficá parecido

Com a fulô sem perfume;

A poesia sem rima,

Bastante me disanima

E alegria não me dá;

Não tem sabô a leitura,

Parece uma noite iscura

Sem istrela e sem luá.

 

Se um dotô me perguntá

Se o verso sem rima presta,

Calado eu não vou ficá,

A minha resposta é esta:

Sem a rima, a poesia

Perde arguma simpatia

E uma parte do primô;

Não merece munta parma,

É como o corpo sem arma

E o coração sem amô.

 

Meu caro amigo poeta,

Qui faz poesia branca,

Não me chame de pateta

Por esta opinião franca.

Nasci entre a natureza,

Sempre adorando as beleza

Das obra do Criadô,

Uvindo o vento na serva

E vendo no campo a reva

Pintadinha de fulô.

 

Sou um caboco rocêro,

Sem letra e sem istrução;

O meu verso tem o chêro

Da poêra do sertão;

Vivo nesta solidade

Bem destante da cidade

Onde a ciença guverna.

Tudo meu é naturá,

Não sou capaz de gostá

Da poesia moderna.

 

Dêste jeito Deus me quis

E assim eu me sinto bem;

Me considero feliz

Sem nunca invejá quem tem

Profundo conhecimento.

Ou ligêro como o vento

Ou divagá como a lêsma,

Tudo sofre a mesma prova,

Vai batê na fria cova;

Esta vida é sempre a mesma.

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A terra dos posseiros de Deus

 

Esta terra é desmedida

e devia ser comum,

Devia ser repartida

um toco pra cada um,

mode morar sossegado.

 

Eu já tenho imaginado

Que a baixa, o sertão e a serra,

Devia sê coisa nossa;

Quem não trabalha na roça,

Que diabo é que quer com a terra?

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A triste partida

 

Setembro passou, com oitubro e novembro

Já tamo em dezembro.

Meu Deus, que é de nós?

Assim fala o pobre do seco Nordeste,

Com medo da peste,

Da fome feroz.

 

A treze do mês ele fez a experiença,

Perdeu sua crença

Nas pedra de sá.

Mas nôta experiença com gosto se agarra,

Pensando na barra

Do alegre Natá.

 

Rompeu-se o Natá, porém barra não veio,

O só, bem vermeio,

Nasceu munto além.

Na copa da mata, buzina a cigarra,

Ninguém vê a barra,

Pois barra não tem.

 

Sem chuva na terra descamba janêro,

Depois, feverêro,

E o mêrmo verão

Entonce o rocêro, pensando consigo,

Diz: isso é castigo!

Não chove mais não!

 

Apela pra maço, que é o mês preferido

Do Santo querido,

Senhô São José.

Mas nada de chuva! ta tudo sem jeito,

Lhe foge do peito

O resto da fé.

 

Agora pensando segui ôtra tria,

Chamando a famia

Começa a dizê:

Eu vendo mau burro, meu jegue e o cavalo,

Nós vamo a São Palo

Vivê ou morrê.

 

Nòs vamo a São Palo, que a coisa tá feia;

Por terras aleia

Nós vamo vagá.

Se o nosso destino não fô tão mesquinho,

Pro mêrmo cantinho

Nós torna a vortá.

 

E vende o seu burro, o jumento e o cavalo,

Inté mêrmo o galo

Vendêro também,

Pois logo aparece feliz fazendêro,

Por pôco dinhêro

Lhe compra o que tem.

 

Em riba do carro se junta a famia;

Chegou o triste dia,

Já vai viajá.

A seca terrive, que tudo devora,

Lhe bota pra fora

Da terra natá.

 

O carro já corre no topo da serra.

Oiando pra terra,

Seu berço, seu lá,

Aquele nortista, partido de pena,

De longe inda acena:

Adeus, Ceará!

 

No dia seguinte, já tudo enfadado,

E o carro embalado,

Veloz a corrê,

Tão triste, o coitado, falando saudoso,

Um fio choroso

Escrama, a dizê:

 

- De pena e sodade, papai, sei que morro!

Meu pobre cachorro,

Quem dá de comê?

Já ôto pergunta: - Mãezinha, e meu gato?

Com fome, sem trato,

Mimi vai morrê!

 

E a linda pequena, tremendo de medo:

- Mamãe, meus brinquedo!

Meu pé fulô!

Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!

E a minha boneca

Também lá ficou.

 

E assim vão dexando, com choro e gemido,

Do berço querido

O céu lindo e azu.

Os pai, pesaroso, nos fio pensando,

E o carro rodando

Na estrada do Su.

 

Chegaro em São Paulo - sem cobre, quebrado.

O pobre, acanhado,

Percura um patrão.

Só vê cara estranha, da mais feia gente,

Tudo é diferante

Do caro torrão.

 

Trabaia dois ano, três ano e mais ano,

E sempre no prano

De um dia inda vim.

Mas nunca ele pode, só veve devendo,

E assim vai sofrendo

Tormento sem fim.

 

Se arguma notícia das banda do Norte

Tem ele por sorte

O gosto de uvi,

Lhe bate no peito sodade de móio,

E as água dos óio

Começa a caí.

 

Do mundo afastado, sofrendo desprezo,

Ali veve preso,

Devendo ao patrão.

O tempo rolando, vai dia vem dia,

E aquela famia

Não vorta mais não!

 

Distante da terra tão seca mas boa,

Exposto à garoa,

À lama e ao paú,

Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,

Vivê como escravo

Nas terra do su.

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Burro
 

Vai ele a trote, pelo chão da serra,

Com a vista espantada e penetrante,

E ninguém nota em seu marchar volante,

A estupidez que este animal encerra.

 

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,

Sem dar uma passada para diante,

Outras vezes, pinota, revoltante,

E sacode o seu dono sobre a terra.

 

Mas contudo! Este bruto sem noção,

Que é capaz de fazer uma traição,

A quem quer que lhe venha na defesa,

 

É mais manso e tem mais inteligência

Do que o sábio que trata de ciência

E não crê no Senhor da Natureza.

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Caboclo roceiro
 

Caboclo Roceiro, das plaga do Norte

Que vive sem sorte, sem terra e sem lar,

A tua desdita é tristonho que canto,

Se escuto o meu pranto me ponho a chorar

 

Ninguém te oferece um feliz lenitivo

És rude e cativo, não tens liberdade.

A roça é teu mundo e também tua escola.

Teu braço é a mola que move a cidade

 

De noite tu vives na tua palhoça

De dia na roça de enxada na mão

Julgando que Deus é um pai vingativo,

Não vês o motivo da tua opressão

 

Tu pensas, amigo, que a vida que levas

De dores e trevas debaixo da cruz

E as crides constantes, quais sinas e espadas

São penas mandadas por nosso Jesus

 

Tu és nesta vida o fiel penitente

Um pobre inocente no banco do réu.

Caboclo não guarda contigo esta crença

A tua sentença não parte do céu.

 

O mestre divino que é sábio profundo

Não faz neste mundo teu fardo infeliz

As tuas desgraças com tua desordem

Não nascem das ordens do eterno juiz

 

A lua se apaga sem ter empecilho,

O sol do seu brilho jamais te negou

Porém os ingratos, com ódio e com guerra,

Tomaram-te a terra que Deus te entregou

 

De noite tu vives na tua palhoça

De dia na roça , de enxada na mão

Caboclo roceiro, sem lar , sem abrigo,

Tu és meu amigo, tu és meu irmão.

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Cante lá, que eu canto cá
 

Poeta, cantô de rua,

Que na cidade nasceu,

Cante a cidade que é sua,

Que eu canto o sertão que é meu.

 

Se aí você teve estudo,

Aqui, Deus me ensinou tudo,

Sem de livro precisá

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí,

Cante lá, que eu canto cá.

 

Você teve inducação,

Aprendeu munta ciença,

Mas das coisa do sertão

Não tem boa esperiença.

Nunca fez uma paioça,

Nunca trabaiou na roça,

Não pode conhecê bem,

Pois nesta penosa vida,

Só quem provou da comida

Sabe o gosto que ela tem.

 

Pra gente cantá o sertão,

Precisa nele morá,

Tê armoço de fejão

E a janta de mucunzá,

Vivê pobre, sem dinhêro,

Socado dentro do mato,

De apragata currelepe,

Pisando inriba do estrepe,

Brocando a unha-de-gato.

 

Você é muito ditoso,

Sabe lê, sabe escrevê,

Pois vá cantando o seu gozo,

Que eu canto meu padecê.

Inquanto a felicidade

Você canta na cidade,

Cá no sertão eu infrento

A fome, a dô e a misera.

Pra sê poeta divera,

Precisa tê sofrimento.

 

Sua rima, inda que seja

Bordada de prata e de ôro,

Para a gente sertaneja

É perdido este tesôro.

Com o seu verso bem feito,

Não canta o sertão dereito,

Porque você não conhece

Nossa vida aperreada.

E a dô só é bem cantada,

Cantada por quem padece.

 

Só canta o sertão dereito,

Com tudo quanto ele tem,

Quem sempre correu estreito,

Sem proteção de ninguém,

Coberto de precisão

Suportando a privação

Com paciença de Jó,

Puxando o cabo da inxada,

Na quebrada e na chapada,

Moiadinho de suó.

 

Amigo, não tenha quêxa,

Veja que eu tenho razão

Em lhe dizê que não mêxa

Nas coisa do meu sertão.

Pois, se não sabe o colega

De quá manêra se pega

Num ferro pra trabaiá,

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mêxo aí,

Cante lá que eu canto cá.

 

Repare que a minha vida

É deferente da sua.

A sua rima pulida

Nasceu no salão da rua.

Já eu sou bem deferente,

Meu verso é como a simente

Que nasce inriba do chão;

Não tenho estudo nem arte,

A minha rima faz parte

Das obra da criação.

 

Mas porém, eu não invejo

O grande tesôro seu,

Os livro do seu colejo,

Onde você aprendeu.

Pra gente aqui sê poeta

E fazê rima compreta,

Não precisa professô;

Basta vê no mês de maio,

Um poema em cada gaio

E um verso em cada fulô.

 

Seu verso é uma mistura,

É um tá sarapaté,

Que quem tem pôca leitura

Lê, mais não sabe o que é.

Tem tanta coisa incantada,

Tanta deusa, tanta fada,

Tanto mistéro e condão

E ôtros negoço impossive.

Eu canto as coisa visive

Do meu querido sertão.

 

Canto as fulô e os abróio

Com todas coisa daqui:

Pra toda parte que eu óio

Vejo um verso se bulí.

Se as vêz andando no vale

Atrás de curá meus male

Quero repará pra serra

Assim que eu óio pra cima,

Vejo um divule de rima

Caindo inriba da terra.

 

Mas tudo é rima rastêra

De fruita de jatobá,

De fôia de gamelêra

E fulô de trapiá,

De canto de passarinho

E da poêra do caminho,

Quando a ventania vem,

Pois você já tá ciente:

Nossa vida é deferente

E nosso verso também.

 

Repare que deferença

Iziste na vida nossa:

Inquanto eu tô na sentença,

Trabaiando em minha roça,

Você lá no seu descanso,

Fuma o seu cigarro mando,

Bem perfumado e sadio;

Já eu, aqui tive a sorte

De fumá cigarro forte

Feito de paia de mio.

 

Você, vaidoso e facêro,

Toda vez que qué fumá,

Tira do bôrso um isquêro

Do mais bonito metá.

Eu que não posso com isso,

Puxo por meu artifiço

Arranjado por aqui,

Feito de chifre de gado,

Cheio de argodão queimado,

Boa pedra e bom fuzí.

 

Sua vida é divirtida

E a minha é grande pená.

Só numa parte de vida

Nóis dois samo bem iguá:

É no dereito sagrado,

Por Jesus abençoado

Pra consolá nosso pranto,

Conheço e não me confundo

Da coisa mió do mundo

Nóis goza do mesmo tanto.

 

Eu não posso lhe invejá

Nem você invejá eu,

O que Deus lhe deu por lá,

Aqui Deus também me deu.

Pois minha boa muié,

Me estima com munta fé,

Me abraça, beja e qué bem

E ninguém pode negá

Que das coisa naturá

Tem ela o que a sua tem.

 

Aqui findo esta verdade

Toda cheia de razão:

Fique na sua cidade

Que eu fico no meu sertão.

Já lhe mostrei um ispeio,

Já lhe dei grande conseio

Que você deve tomá.

Por favô, não mexa aqui,

Que eu também não mêxo aí,

Cante lá que eu canto cá.

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Dois quadros
 

Na seca inclemente do nosso Nordeste,

O sol é mais quente e o céu mais azul

E o povo se achando sem pão e sem veste,

Viaja à procura das terra do Sul.

 

De nuvem no espaço, não há um farrapo,

Se acaba a esperança da gente roceira,

Na mesma lagoa da festa do sapo,

Agita-se o vento levando a poeira.

 

A grama no campo não nasce, não cresce:

Outrora este campo tão verde e tão rico,

Agora é tão quente que até nos parece

Um forno queimando madeira de angico.

 

Na copa redonda de algum juazeiro

A aguda cigarra seu canto desata

E a linda araponga que chamam Ferreiro,

Martela o seu ferro por dentro da mata.

 

O dia desponta mostrando-se ingrato,

Um manto de cinza por cima da serra

E o sol do Nordeste nos mostra o retrato

De um bolo de sangue nascendo da terra.

 

Porém, quando chove, tudo é riso e festa,

O campo e a floresta prometem fartura,

Escutam-se as notas agudas e graves

Do canto das aves louvando a natura.

 

Alegre esvoaça e gargalha o jacu,

Apita o nambu e geme a juriti

E a brisa farfalha por entre as verduras,

Beijando os primores do meu Cariri.

 

De noite notamos as graças eternas

Nas lindas lanternas de mil vagalumes.

Na copa da mata os ramos embalam

E as flores exalam suaves perfumes.

 

Se o dia desponta, que doce harmonia!

A gente aprecia o mais belo compasso.

Além do balido das mansas ovelhas,

Enxames de abelhas zumbindo no espaço.

 

E o forte caboclo da sua palhoça,

No rumo da roça, de marcha apressada

Vai cheio de vida sorrindo, contente,

Lançar a semente na terra molhada.

 

Das mãos deste bravo caboclo roceiro

Fiel, prazenteiro, modesto e feliz,

É que o ouro branco sai para o processo

Fazer o progresso de nosso país.

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Eu quero
 

Quero um chefe brasileiro

Fiel, firme e justiceiro

Capaz de nos proteger

Que do campo até à rua

O povo todo possua

O direito de viver

 

Quero paz e liberdade

Sossego e fraternidade

Na nossa pátria natal

Desde a cidade ao deserto

Quero o operário liberto

Da exploração patronal

 

Quero ver do Sul ao Norte

O nosso caboclo forte

Trocar a casa de palha

Por confortável guarida

Quero a terra dividida

Para quem nela trabalha

 

Eu quero o agregado isento

Do terrível sofrimento

Do maldito cativeiro

Quero ver o meu país

Rico, ditoso e feliz

Livre do jugo estrangeiro

 

A bem do nosso progresso

Quero o apoio do Congresso

Sobre uma reforma agrária

Que venha por sua vez

Libertar o camponês

Da situação precária

 

Finalmemte, meus senhores,

Quero ouvir entre os primores

Debaixo do céu de anil

As mais sonoras notas

Dos cantos dos patriotas

Cantando a paz do Brasil

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Flores murchas
 

Depois do nosso desejado enlace

Ela dizia, cheia de carinho,

Toda ternura a segredar baixinho:

— Deixa, querido, que eu te beije a face!

 

Ah! se esta vida nunca mais passasse!

Só vejo rosas, sem um só espinho;

Que bela aurora surge em nosso ninho!

Que lindo sonho no meu peito nasce!

 

E hoje, a coitada, sem falar de amor,

Em vez daquele natural vigor,

Sofre do tempo o mais cruel carimbo.

 

E assim vivendo, de mazelas cheia,

Em vez de beijo, sempre me aperreia

Pedindo fumo para o seu cachimbo.

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Linguage dos óio
 

Quem repara o corpo humano

E com coidado nalisa,

Vê que o Autô Soberano

Lhe deu tudo o que precisa,

Os orgo que a gente tem

Tudo serve munto bem,

Mas ninguém pode negá

Que o Auto da Criação

Fez com maior prefeição

Os orgo visioná.

 

Os óio além de chorá,

É quem vê a nossa estrada

Mode o corpo se livrá

De queda e barruada

E além de chorá e de vê

Prumode nos defendê,

Tem mais um grande mistér

De admirave vantage,

Na sua muda linguage

Diz quando qué ou não qué.

 

Os óios consigo tem

Incomparave segredo,

Tem o oiá querendo bem

E o oiá sentindo medo,

A pessoa apaixonada

Não precisa dizê nada,

Não precisa utilizá

A língua que tem na bôca,

O oiá de uma caboca

Diz quando qué namorá.

 

Munta comunicação

Os óio veve fazendo

Por izempro, oiá pidão

Dá siná que tá querendo

Tudo apresenta na vista,

Comparo com o truquista

Trabaiando bem ativo

Dexando o povo enganado,

Os óios pissui dois lado,

Positivo e negativo.

 

Mesmo sem nada falá,

Mesmo assim calado e mudo,

Os orgo visioná

Sabe dá siná de tudo,

Quando fica namorado

Pela moça despresado

Não precisa conversá,

Logo ele tá entendendo

Os óios dela dizendo,

Viva lá que eu vivo cá.

 

Os óios conversa munto

Nele um grande livro inziste

Todo repreto de assunto,

Por izempro o oiá triste

Com certeza tá contando

Que seu dono tá passando

Um sofrimento sem fim,

E o oiá desconfiado

Diz que o seu dono é curpado

Fez arguma coisa ruim.

 

Os óis duma pessoa

Pode bem sê comparado

Com as água da lagoa

Quando o vento tá parado,

Mas porém no mesmo istante

Pode ficá revortante

Querendo desafiá,

Infuricido e valente;

Neste dois malandro a gente

Nunca pode confiá.

 

Oiá puro, manso e terno,

Protetó e cheio de brio

É o doce oiá materno

Pedindo para o seu fio

Saúde e felicidade

Este oiá de piedade

De perdão e de ternura

Diz que preza, que ama e estima

É os óio que se aproxima

Dos óio da Virge Pura.

 

Nem mesmo os grande oculista,

Os dotô que munta estuda,

Os mais maió cientista,

Conhece a lingua muda

Dos orgo visioná

E os mais ruim de decifrá

De todos que eu tô falando,

É quando o oiá é zanoio,

Ninguém sabe cada óio

Pra onde tá reparando.

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Mãe preta
 

O coração do inocente,

É como a terra estrumada,

Qui a gente pranta a simente

E a mesma nace corada,

Lutrida e munto viçosa.

Na nossa infança ditosa,

Quando o amô e a simpatia

Toma conta da criança,

Esta sodosa lembrança

Vai batê na cova fria.

 

Quem pela infança passou,

O meu dito considera,

Eu quero, com grande amô,

Dizê Mãe Preta quem era.

- Mãe Preta dava a impressão

Da noite de iscuridão,

com seus mistero profundo,

Iscondendo seus praneta;

Foi ela a preta mais preta

Das preta qui eu vi no mundo.

 

Mas porém, sua arma pura,

Era branca como a orora,

E tinha a doce ternura

Da Virge Nossa Senhora.

Quando amanhecia o dia,

Pra minha rede ela ia

Dizendo palavra bela;

Pra cuzinha me levava

E um cafezim eu tomava

Sentado no colo dela.

 

Quando as minha brincadêra

Causava contrariedade

A minha mãe verdadêra

Com a sua otoridade,

As vez brigava comigo

E num gesto de castigo,

Botava os óio pra mim,

Mas porém, não me batia,

Somente pruque sabia

Qui mãe preta achava ruim.

 

Por isso eu não tinha medo,

Sempre contente vivia

Mexendo nos meus brinquedo

E fazendo istripolia.

Dentro de nossa morada,

Pra mim não fartava nada,

O meu mundo era Mãe Preta;

Foi ela quem me ensinou

Muntas cantiga de amô,

E brincá de carrapeta.

 

Se as vez eu brincando tava

De barbuleta a pegá,

E impaciente ficava

Inraivicido a chorá,

Ela com munta alegria,

Um certo jeito fazia,

Com carinho e com amô,

Apanhava as barbuleta;

Foi ela uma santa preta,

Que o mundo de Deus criou.

 

Se chegava a noite iscura

Com seus negrume sem fim,

Ela com toda ternura,

Chegava perto de mim

Uma coisa cochichava

E depois qui me bejava,

Me levava pra dromida

Sobre os seus braços lustroso.

Aquilo sim, era gozo,

Aquilo sim, era vida.

 

E despois de me deitá

Na minha pequena rede,

Balançava devagá

Pra não batê na parede,

Contando estes lindos verso

Qui neste grande universo

Ôtros mais belo não vi,

E enquanto ela balançava

E estes versinho cantava,

Eu percurava dromi.

 

Dorme, dorme, meu menino,

Já chegou a escuridão,

A treva da noite escura

Está cheia de papão.

 

No teu sono terás beijos

Da rosa e do bugari

E os espíritos benfazejos

Te defendem do saci.

 

Dorme, dorme, meu menino,

Já chegou a escuridão

A treva da noite escura

Está cheia de papão.

 

Dorme teu sono inocente

Com Jesus e com Maria,

Até chegar novamente

O clarão do novo dia.

 

Iscutando com respeito

Estes verso pequenino,

Eu sintia no meu peito

Tudo quanto era divino;

Nem tuada sertaneja,

Nem os bendito da igreja,

Nem os toque de retreta,

In mim ficaro gravado,

Como estes versos cantado

Por minha boa Mãe Preta.

 

Mas porém, eu bem menino,

Qui nem sabia pecá,

Os ispinho do destino

Começaro a me furá.

Mãe Preta qui era contente,

tava um dia deferente.

Preguntei o que ela tinha

E assim que ela oiô pra eu

Dois pingo d'água desceu

Dos óio da coitadinha.

 

Daquele dia pra cá,

Minha amorosa Mãe Preta,

Não pôde mais me ajudá

Nas pega de barbuleta,

Sem prazê, sem alegria

Dentro de um quarto vivia,

O dia e a noite intêra,

Sem achá consolação,

Inriba de seu croxão

De foia de bananera.

 

Quando ela pra mim oiava,

Como quem sente um desgosto,

A minha mão apertava

E o pranto banhava o rosto.

Divido este sofrimento,

Naquele seu aposento,

No quarto onde ela viva,

Me improibiro de entrá,

Promode não magoá

As dô que a pobe sintia.

 

Eu mesmo dizê não sei

Qual foi a surpresa minha,

Quando um dia eu acordei,

Bem cedo domenhãzinha

Entrei na sala e dei fé

Qui um magote de muié

Tava rezando oração;

E vi Mãe Preta vestida

Numa ropona comprida,

Arva, da cô de argodão.

 

Sinti no peito um cansaço,

Depois uns home chegaro

Levantaro ela nos braço

E numa rede botaro.

A rede tava amarrada

Numa peça perparada

De madêra bem polida,

E naquela mesma hora,

Levaro de estrada afora

Minha Mãe Preta querida.

 

Mamãe com todo carinho,

Chorando um bêjo me deu

E me disse - meu fiinho,

Sua Mãe Preta morreu!

E ôtras coisa me dizendo,

Sinti meu corpo tremendo,

Me jurguei um pobre réu,

Sem consolo e sem prazê,

Com vontade de morrê,

Pra vê Mãe Preta no céu.

 

O coração do inocente,

É como terra estrumada

Que a gente pranta a semente,

E a mesma nasce corada

Lutrida e munto viçosa;

Na nossa infança ditosa,

Quando o amô e a simpatia

Toma conta da criança,

Esta sodosa lembrança

Vai batê na cova fria.

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Nordestino sim, Nordestinado não
 

Nunca diga nordestino

Que Deus lhe deu um destino

Causador do padecer

Nunca diga que é o pecado

Que lhe deixa fracassado

Sem condições de viver

 

Não guarde no pensamento

Que estamos no sofrimento

É pagando o que devemos

A Providência Divina

Não nos deu a triste sina

De sofrer o que sofremos

 

Deus o autor da criação

Nos dotou com a razão

Bem livres de preconceitos

Mas os ingratos da terra

Com opressão e com guerra

Negam os nossos direitos

 

Não é Deus quem nos castiga

Nem é a seca que obriga

Sofrermos dura sentença

Não somos nordestinados

Nós somos injustiçados

Tratados com indiferença

 

Sofremos em nossa vida

Uma batalha renhida

Do irmão contra o irmão

Nós somos injustiçados

Nordestinos explorados

Mas nordestinados não

 

Há muita gente que chora

Vagando de estrada afora

Sem terra, sem lar, sem pão

Crianças esfarrapadas

Famintas, escaveiradas

Morrendo de inanição

 

Sofre o neto, o filho e o pai

Para onde o pobre vai

Sempre encontra o mesmo mal

Esta miséria campeia

Desde a cidade à aldeia

Do Sertão à capital

 

Aqueles pobres mendigos

Vão à procura de abrigos

Cheios de necessidade

Nesta miséria tamanha

Se acabam na terra estranha

Sofrendo fome e saudade

 

Mas não é o Pai Celeste

Que faz sair do Nordeste

Legiões de retirantes

Os grandes martírios seus

Não é permissão de Deus

É culpa dos governantes

 

Já sabemos muito bem

De onde nasce e de onde vem

A raiz do grande mal

Vem da situação crítica

Desigualdade política

Econômica e social

 

Somente a fraternidade

Nos traz a felicidade

Precisamos dar as mãos

Para que vaidade e orgulho

Guerra, questão e barulho

Dos irmãos contra os irmãos

 

Jesus Cristo, o Salvador

Pregou a paz e o amor

Na santa doutrina sua

O direito do bangueiro

É o direito do trapeiro

Que apanha os trapos na rua

 

Uma vez que o conformismo

Faz crescer o egoísmo

E a injustiça aumentar

Em favor do bem comum

É dever de cada um

Pelos direitos lutar

 

Por isso vamos lutar

Nós vamos reivindicar

O direito e a liberdade

Procurando em cada irmão

Justiça, paz e união

Amor e fraternidade

 

Somente o amor é capaz

E dentro de um país faz

Um só povo bem unido

Um povo que gozará

Porque assim já não há

Opressor nem oprimido

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O peixe
 

Tendo por berço o lago cristalino,

Folga o peixe, a nadar todo inocente,

Medo ou receio do porvir não sente,

Pois vive incauto do fatal destino.

 

Se na ponta de um fio longo e fino

A isca avista, ferra-a insconsciente,

Ficando o pobre peixe de repente,

Preso ao anzol do pescador ladino.

 

O camponês, também, do nosso Estado,

Ante a campanha eleitoral, coitado!

Daquele peixe tem a mesma sorte.

 

Antes do pleito, festa, riso e gosto,

Depois do pleito, imposto e mais imposto.

Pobre matuto do sertão do Norte!

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O poeta da roça
 

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,

Trabáio na roça, de inverno e de estio.

A minha chupana é tapada de barro,

Só fumo cigarro de páia de mío.

 

Sou poeta das brenha, não faço o papé

De argum menestré, ou errante cantô

Que veve vagando, com sua viola,

Cantando, pachola, à percura de amô.

 

Não tenho sabença, pois nunca estudei,

Apenas eu sei o meu nome assiná.

Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,

E o fio do pobre não pode estudá.

 

Meu verso rastêro, singelo e sem graça,

Não entra na praça, no rico salão,

Meu verso só entra no campo e na roça

Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

 

Só canto o buliço da vida apertada,

Da lida pesada, das roça e dos eito.

E às vez, recordando a feliz mocidade,

Canto uma sodade que mora em meu peito.

 

Eu canto o cabôco com suas caçada,

Nas noite assombrada que tudo apavora,

Por dentro da mata, com tanta corage

Topando as visage chamada caipora.

 

Eu canto o vaquêro vestido de côro,

Brigando com o tôro no mato fechado,

Que pega na ponta do brabo novio,

Ganhando lugio do dono do gado.

 

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,

Coberto de trapo e mochila na mão,

Que chora pedindo o socorro dos home,

E tomba de fome, sem casa e sem pão.

 

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,

Eu vivo contente e feliz com a sorte,

Morando no campo, sem vê a cidade,

Cantando as verdade das coisa do Norte.

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O sabiá e o gavião
 

Eu nunca falei à toa.

Sou um cabôco rocêro,

Que sempre das coisa boa

Eu tive um certo tempero.

Não falo mal de ninguém,

Mas vejo que o mundo tem

Gente que não sabe amá,

Não sabe fazê carinho,

Não qué bem a passarinho,

Não gosta dos animá.

 

Já eu sou bem deferente.

A coisa mió que eu acho

É num dia munto quente

Eu i me sentá debaxo

De um copado juazêro,

Prá escutá prazentêro

Os passarinho cantá,

Pois aquela poesia

Tem a mesma melodia

Dos anjo celestiá.

 

Não há frauta nem piston

Das banda rica e granfina

Pra sê sonoroso e bom

Como o galo de campina,

Quando começa a cantá

Com sua voz naturá,

Onde a inocença se incerra,

Cantando na mesma hora

Que aparece a linda orora

Bejando o rosto da terra.

 

O sofreu e a patativa

Com o canaro e o campina

Tem canto que me cativa,

Tem musga que me domina,

E inda mais o sabiá,

Que tem premêro lugá,

É o chefe dos serestêro,

Passo nenhum lhe condena,

Ele é dos musgo da pena

O maiô do mundo intêro.

 

Eu escuto aquilo tudo,

Com grande amô, com carinho,

Mas, às vez, fico sisudo,

Pruquê cronta os passarinho

Tern o gavião maldito,

Que, além de munto esquisito,

Como iguá eu nunca vi,

Esse monstro miserave

É o assarsino das ave

Que canta pra gente uví.

 

Muntas vez, jogando o bote,

Mais pió de que a serpente,

Leva dos ninho os fiote

Tão lindo e tão inocente.

Eu comparo o gavião

Com esses farão cristão

Do instinto crué e feio,

Que sem ligá gente pobre

Quê fazê papé de nobre

Chupando o suó alêio.

 

As Escritura não diz,

Mas diz o coração meu:

Deus, o maió dos juiz,

No dia que resorveu

A fazê o sabiá

Do mió materiá

Que havia inriba do chão,

O Diabo, munto inxerido,

Lá num cantinho, escondido,

Também fez o gavião.

 

De todos que se conhece

Aquele é o passo mais ruim

É tanto que, se eu pudesse,

Já tinha lhe dado fim.

Aquele bicho devia

Vivê preso, noite e dia,

No mais escuro xadrez.

Já que tô de mão na massa,

Vou contá a grande arruaça

Que um gavião já me fez.

 

Quando eu era pequenino,

Saí um dia a vagá

Pelos mato sem destino,

Cheio de vida a iscutá

A mais subrime beleza

Das musga da natureza

E bem no pé de um serrote

Achei num pé de juá

Um ninho de sabiá

Com dois mimoso fiote.

 

Eu senti grande alegria,

Vendo os fíote bonito.

Pra mim eles parecia

Dois anjinho do Infinito.

Eu falo sero, não minto.

Achando que aqueles pinto

Era santo, era divino,

Fiz do juazêro igreja

E bejei, como quem bêja

Dois Santo Antõi pequenino.

 

Eu fiquei tão prazentêro

Que me esqueci de armoçá,

Passei quage o dia intêro

Naquele pé de juá.

Pois quem ama os passarinho,

No dia que incronta um ninho,

Somente nele magina.

Tão grande a demora foi,

Que mamãe (Deus lhe perdoi)

Foi comigo à disciprina.

 

Meia légua, mais ou meno,

Se medisse, eu sei que dava,

Dali, daquele terreno

Pra paioça onde eu morava.

Porém, eu não tinha medo,

Ia lá sempre em segredo,

Sempre. iscondido, sozinho,

Temendo que argúm minino,

Desses perverso e malino

Mexesse nos passarinho.

 

Eu mesmo não sei dizê

O quanto eu tava contente

Não me cansava de vê

Aqueles dois inocente.

Quanto mais dia passava,

Mais bonito eles ficava,

Mais maió e mais sabido,

Pois não tava mais pelado,

Os seus corpinho rosado

Já tava tudo vestido.

 

Mas, tudo na vida passa.

Amanheceu certo dia

O mundo todo sem graça,

Sem graça e sem poesia.

Quarqué pessoa que visse

E um momento refritisse

Nessa sombra de tristeza,

Dava pra ficá pensando

Que arguém tava malinando

Nas coisa da Natureza.

 

Na copa dos arvoredo,

Passarinho não cantava.

Naquele dia, bem cedo,

Somente a coã mandava

Sua cantiga medonha.

A menhã tava tristonha

Como casa de viúva,

Sem prazê, sem alegria

E de quando em vez, caía

Um sereninho de chuva.

 

Eu oiava pensativo

Para o lado do Nascente

E não sei por quá motivo

O só nasceu diferente,

Parece que arrependido,

Detrás das nuve, escondido.

E como o cabra zanôio,

Botava bem treiçoêro,

Por detrás dos nevoêro,

Só um pedaço do ôio.

 

Uns nevoêro cinzento

Ia no espaço correndo.

Tudo naquele momento

Eu oiava e tava vendo,

Sem alegria e sem jeito,

Mas, porém, eu sastifeito,

Sem com nada me importá,

Saí correndo, aos pinote,

E fui repará os fiote

No ninho do sabiá.

 

Cheguei com munto carinho,

Mas, meu Deus! que grande agôro!

Os dois véio passarinho

Cantava num som de choro.

Uvindo aquele grogeio,

Logo no meu corpo veio

Certo chamego de frio

E subindo bem ligêro

Pr’as gaia do juazêro,

Achei o ninho vazio.

 

Quage que eu dava um desmaio,

Naquele pé de juá

E lá da ponta de um gaio,

Os dois véio sabiá

Mostrava no triste canto

Uma mistura de pranto,

Num tom penoso e funéro,

Parecendo mãe e pai,

Na hora que o fio vai

Se interrá no cimitéro.

 

Assistindo àquela cena,

Eu juro pelo Evangéio

Como solucei com pena

Dos dois passarinho véio

E ajudando aquelas ave,

Nesse ato desagradave,

Chorei fora do comum:

Tão grande desgosto tive,

Que o meu coração sensive

Omentou seus baticum.

 

Os dois passarinho amado

Tivero sorte infeliz,

Pois o gavião marvado

Chegou lá, fez o que quis.

Os dois fiote tragou,

O ninho desmantelou

E lá pras banda do céu,

Depois de devorá tudo,

Sortava o seu grito agudo

Aquele assassino incréu.

 

E eu com o maiô respeito

E com a suspiração perra,

As mão posta sobre o peito

E os dois juêio na terra,

Com uma dó que consome,

Pedi logo em santo nome

Do nosso Deus Verdadêro,

Que tudo ajuda e castiga:

Espingarda te preciga,

Gavião arruacêro!

 

Sei que o povo da cidade

Uma idéia inda não fez

Do amô e da caridade

De um coração camponês.

Eu sinto um desgosto imenso

Todo momento que penso

No que fez o gavião.

E em tudo o que mais me espanta

É que era Semana Santa!

Sexta-fêra da Paixão!

 

Com triste rescordação

Fico pra morrê de pena,

Pensando na ingratidão

Naquela menhã serena

Daquele dia azalado,

Quando eu saí animado

E andei bem meia légua

Pra bejá meus passarinho

E incrontei vazio o ninho!

Gavião fí duma égua!

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O vaqueiro
 

Eu venho dêrne menino,

Dêrne munto pequenino,

Cumprindo o belo destino

Que me deu Nosso Senhô.

Eu nasci pra sê vaquêro,

Sou o mais feliz brasilêro,

Eu não invejo dinhêro,

Nem diproma de dotô.

 

Sei que o dotô tem riquêza,

É tratado com fineza,

Faz figura de grandeza,

Tem carta e tem anelão,

Tem casa branca jeitosa

E ôtas coisa preciosa;

Mas não goza o quanto goza

Um vaquêro do sertão.

 

Da minha vida eu me orgúio,

Levo a Jurema no embrúio

Gosto de ver o barúio

De barbatão a corrê,

Pedra nos casco rolando,

Gaios de pau estralando,

E o vaquêro atrás gritando,

Sem o perigo temê.

 

Criei-me neste serviço,

Gosto deste reboliço,

Boi pra mim não tem feitiço,

Mandinga nem catimbó.

Meu cavalo Capuêro,

Corredô, forte e ligêro,

Nunca respeita barsêro

De unha de gato ou cipó.

 

Tenho na vida um tesôro

Que vale mais de que ôro:

O meu liforme de côro,

Pernêra, chapéu, gibão.

Sou vaquêro destemido,

Dos fazendêro querido,

O meu grito é conhecido

Nos campo do meu sertão.

 

O pulo do meu cavalo

Nunca me causou abalo;

Eu nunca sofri um galo,

pois eu sei me desviá.

Travesso a grossa chapada,

Desço a medonha quebrada,

Na mais doida disparada,

Na pega do marruá.

 

Se o bicho brabo se acoa,

Não corro nem fico à tôa:

Comigo ninguém caçoa,

Não corro sem vê de quê.

É mêrmo por desaforo

Que eu dou de chapéu de côro

Na testa de quarqué tôro

Que não qué me obedecê.

 

Não dou carrêra perdida,

Conheço bem esta lida,

Eu vivo gozando a vida

Cheio de satisfação.

Já tou tão acostumado

Que trabaio e não me enfado,

Faço com gosto os mandado

Das fia do meu patrão.

 

Vivo do currá pro mato,

Sou correto e munto izato,

Por farta de zelo e trato

Nunca um bezerro morreu.

Se arguém me vê trabaiando,

A bezerrama curando,

Dá pra ficá maginando

Que o dono do gado é eu.

 

Eu não invejo riqueza

Nem posição, nem grandeza,

Nem a vida de fineza

Do povo da capitá.

Pra minha vida sê bela

Só basta não fartá nela

Bom cavalo, boa sela

E gado pr’eu campeá.

 

Somente uma coisa iziste,

Que ainda que teja triste

Meu coração não resiste

E pula de animação.

É uma viola magoada,

Bem chorosa e apaxonada,

Acompanhando a toada

Dum cantadô do sertão.

 

Tenho sagrado direito

De ficá bem satisfeito

Vendo a viola no peito

De quem toca e canta bem.

Dessas coisa sou herdêro,

Que o meu pai era vaquêro,

Foi um fino violêro

E era cantadô tombém.

 

Eu não sei tocá viola,

Mas seu toque me consola,

Verso de minha cachola

Nem que eu peleje não sai,

Nunca cantei um repente

Mas vivo munto contente,

Pois herdei perfeitamente

Um dos dote de meu pai.

 

O dote de sê vaquêro,

Resorvido marruêro,

Querido dos fazendêro

Do sertão do Ceará.

Não perciso maió gozo,

Sou sertanejo ditoso,

O meu aboio sodoso

Faz quem tem amô chorá.

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Vaca Estrela e boi Fubá
 

Seu doutor me dê licença pra minha história contar.

Hoje eu tô na terra estranha, é bem triste o meu penar

Mas já fui muito feliz vivendo no meu lugar.

Eu tinha cavalo bom e gostava de campear.

E todo dia aboiava na porteira do curral.

 

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,

ô ô ô ô Boi Fubá.

 

Eu sou filho do Nordeste , não nego meu naturá

Mas uma seca medonha me tangeu de lá pra cá

Lá eu tinha o meu gadinho, num é bom nem imaginar,

Minha linda Vaca Estrela e o meu belo Boi Fubá

Quando era de tardezinha eu começava a aboiar

 

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,

ô ô ô ô Boi Fubá.

 

Aquela seca medonha fez tudo se atrapalhar,

Não nasceu capim no campo para o gado sustentar

O sertão esturricou, fez os açude secar

Morreu minha Vaca Estrela, já acabou meu Boi Fubá

Perdi tudo quanto tinha, nunca mais pude aboiar

 

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,

ô ô ô ô Boi Fubá.

 

Hoje nas terra do sul, longe do torrão natá

Quando eu vejo em minha frente uma boiada passar,

As água corre dos olho, começo logo a chorá

Lembro a minha Vaca Estrela e o meu lindo Boi Fubá

Com saudade do Nordeste, dá vontade de aboiar

 

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,

ô ô ô ô Boi Fubá. 

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Material recolhido em:

Patativa do Assaré ( Antônio Gonçalves da Silva )

"Cante lá, que eu canto cá"

Editora Vozes - 1978/ RJ

 

Patativa do Assaré ( Antônio Gonçalves da Silva )

"Ispinho e fulô"

Editora Vozes -  1990/ RJ

 

® Romero Tavares da Silva