Patativa do Assaré ( Antônio Gonçalves da Silva ) |
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Chegando o tempo do inverno, Tudo é amoroso e terno, Sentindo o Pai Eterno Sua bondade sem fim. O nosso sertão amado, Estrumicado e pelado, Fica logo transformado No mais bonito jardim.
Neste quadro de beleza A gente vê com certeza Que a musga da natureza Tem riqueza de incantá. Do campo até na floresta As ave se manifesta Compondo a sagrada orquesta Desta festa naturá.
Tudo é paz, tudo é carinho, Na construção de seus ninho, Canta alegre os passarinho As mais sonora canção. E o camponês prazentero Vai prantá fejão ligero, Pois é o que vinga premero Nas terras do meu sertão. |
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Poetas niversitário, Poetas de Cademia, De rico vocabularo Cheio de mitologia; Se a gente canta o que pensa, Eu quero pedir licença, Pois mesmo sem português Neste livrinho apresento O prazê e o sofrimento De um poeta camponês.
Eu nasci aqui no mato, Vivi sempre a trabaiá, Neste meu pobre recato, Eu não pude estudá. No verdô de minha idade, Só tive a felicidade De dá um pequeno insaio In dois livro do iscritô, O famoso professô Filisberto de Carvaio.
No premêro livro havia Belas figuras na capa, E no começo se lia: A pá O dedo do Papa, Papa, pia, dedo, dado, Pua, o pote de melado, Dá-me o dado, a fera é má E tantas coisa bonita, Qui o meu coração parpita Quando eu pego a rescordá.
Foi os livro de valô Mais maió que vi no mundo, Apenas daquele autô Li o premêro e o segundo; Mas, porém, esta leitura, Me tirô da treva escura, Mostrando o caminho certo, Bastante me protegeu; Eu juro que Jesus deu Sarvação a Filisberto.
Depois que os dois livro eu li, Fiquei me sintindo bem, E ôtras coisinha aprendi Sem tê lição de ninguém. Na minha pobre linguage, A minha lira servage Canto o que minha arma sente E o meu coração incerra, As coisa de minha terra E a vida de minha gente.
Poeta niversitaro, Poeta de cademia, De rico vocabularo Cheio de mitologia, Tarvez este meu livrinho Não vá recebê carinho, Nem lugio e nem istima, Mas garanto sê fié E não istruí papé Com poesia sem rima.
Cheio de rima e sintindo Quero iscrevê meu volume, Pra não ficá parecido Com a fulô sem perfume; A poesia sem rima, Bastante me disanima E alegria não me dá; Não tem sabô a leitura, Parece uma noite iscura Sem istrela e sem luá.
Se um dotô me perguntá Se o verso sem rima presta, Calado eu não vou ficá, A minha resposta é esta: Sem a rima, a poesia Perde arguma simpatia E uma parte do primô; Não merece munta parma, É como o corpo sem arma E o coração sem amô.
Meu caro amigo poeta, Qui faz poesia branca, Não me chame de pateta Por esta opinião franca. Nasci entre a natureza, Sempre adorando as beleza Das obra do Criadô, Uvindo o vento na serva E vendo no campo a reva Pintadinha de fulô.
Sou um caboco rocêro, Sem letra e sem istrução; O meu verso tem o chêro Da poêra do sertão; Vivo nesta solidade Bem destante da cidade Onde a ciença guverna. Tudo meu é naturá, Não sou capaz de gostá Da poesia moderna.
Dêste jeito Deus me quis E assim eu me sinto bem; Me considero feliz Sem nunca invejá quem tem Profundo conhecimento. Ou ligêro como o vento Ou divagá como a lêsma, Tudo sofre a mesma prova, Vai batê na fria cova; Esta vida é sempre a mesma. |
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Esta terra é desmedida e devia ser comum, Devia ser repartida um toco pra cada um, mode morar sossegado.
Eu já tenho imaginado Que a baixa, o sertão e a serra, Devia sê coisa nossa; Quem não trabalha na roça, Que diabo é que quer com a terra? |
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Setembro passou, com oitubro e novembro Já tamo em dezembro. Meu Deus, que é de nós? Assim fala o pobre do seco Nordeste, Com medo da peste, Da fome feroz.
A treze do mês ele fez a experiença, Perdeu sua crença Nas pedra de sá. Mas nôta experiença com gosto se agarra, Pensando na barra Do alegre Natá.
Rompeu-se o Natá, porém barra não veio, O só, bem vermeio, Nasceu munto além. Na copa da mata, buzina a cigarra, Ninguém vê a barra, Pois barra não tem.
Sem chuva na terra descamba janêro, Depois, feverêro, E o mêrmo verão Entonce o rocêro, pensando consigo, Diz: isso é castigo! Não chove mais não!
Apela pra maço, que é o mês preferido Do Santo querido, Senhô São José. Mas nada de chuva! ta tudo sem jeito, Lhe foge do peito O resto da fé.
Agora pensando segui ôtra tria, Chamando a famia Começa a dizê: Eu vendo mau burro, meu jegue e o cavalo, Nós vamo a São Palo Vivê ou morrê.
Nòs vamo a São Palo, que a coisa tá feia; Por terras aleia Nós vamo vagá. Se o nosso destino não fô tão mesquinho, Pro mêrmo cantinho Nós torna a vortá.
E vende o seu burro, o jumento e o cavalo, Inté mêrmo o galo Vendêro também, Pois logo aparece feliz fazendêro, Por pôco dinhêro Lhe compra o que tem.
Em riba do carro se junta a famia; Chegou o triste dia, Já vai viajá. A seca terrive, que tudo devora, Lhe bota pra fora Da terra natá.
O carro já corre no topo da serra. Oiando pra terra, Seu berço, seu lá, Aquele nortista, partido de pena, De longe inda acena: Adeus, Ceará!
No dia seguinte, já tudo enfadado, E o carro embalado, Veloz a corrê, Tão triste, o coitado, falando saudoso, Um fio choroso Escrama, a dizê:
- De pena e sodade, papai, sei que morro! Meu pobre cachorro, Quem dá de comê? Já ôto pergunta: - Mãezinha, e meu gato? Com fome, sem trato, Mimi vai morrê!
E a linda pequena, tremendo de medo: - Mamãe, meus brinquedo! Meu pé fulô! Meu pé de rosêra, coitado, ele seca! E a minha boneca Também lá ficou.
E assim vão dexando, com choro e gemido, Do berço querido O céu lindo e azu. Os pai, pesaroso, nos fio pensando, E o carro rodando Na estrada do Su.
Chegaro em São Paulo - sem cobre, quebrado. O pobre, acanhado, Percura um patrão. Só vê cara estranha, da mais feia gente, Tudo é diferante Do caro torrão.
Trabaia dois ano, três ano e mais ano, E sempre no prano De um dia inda vim. Mas nunca ele pode, só veve devendo, E assim vai sofrendo Tormento sem fim.
Se arguma notícia das banda do Norte Tem ele por sorte O gosto de uvi, Lhe bate no peito sodade de móio, E as água dos óio Começa a caí.
Do mundo afastado, sofrendo desprezo, Ali veve preso, Devendo ao patrão. O tempo rolando, vai dia vem dia, E aquela famia Não vorta mais não!
Distante da terra tão seca mas boa, Exposto à garoa, À lama e ao paú, Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo, Vivê como escravo Nas terra do su. |
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Burro | ||
Vai ele a trote, pelo chão da serra, Com a vista espantada e penetrante, E ninguém nota em seu marchar volante, A estupidez que este animal encerra.
Muitas vezes, manhoso, ele se emperra, Sem dar uma passada para diante, Outras vezes, pinota, revoltante, E sacode o seu dono sobre a terra.
Mas contudo! Este bruto sem noção, Que é capaz de fazer uma traição, A quem quer que lhe venha na defesa,
É mais manso e tem mais inteligência Do que o sábio que trata de ciência E não crê no Senhor da Natureza. |
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Caboclo roceiro | ||
Caboclo Roceiro, das plaga do Norte Que vive sem sorte, sem terra e sem lar, A tua desdita é tristonho que canto, Se escuto o meu pranto me ponho a chorar
Ninguém te oferece um feliz lenitivo És rude e cativo, não tens liberdade. A roça é teu mundo e também tua escola. Teu braço é a mola que move a cidade
De noite tu vives na tua palhoça De dia na roça de enxada na mão Julgando que Deus é um pai vingativo, Não vês o motivo da tua opressão
Tu pensas, amigo, que a vida que levas De dores e trevas debaixo da cruz E as crides constantes, quais sinas e espadas São penas mandadas por nosso Jesus
Tu és nesta vida o fiel penitente Um pobre inocente no banco do réu. Caboclo não guarda contigo esta crença A tua sentença não parte do céu.
O mestre divino que é sábio profundo Não faz neste mundo teu fardo infeliz As tuas desgraças com tua desordem Não nascem das ordens do eterno juiz
A lua se apaga sem ter empecilho, O sol do seu brilho jamais te negou Porém os ingratos, com ódio e com guerra, Tomaram-te a terra que Deus te entregou
De noite tu vives na tua palhoça De dia na roça , de enxada na mão Caboclo roceiro, sem lar , sem abrigo, Tu és meu amigo, tu és meu irmão. |
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Cante lá, que eu canto cá | ||
Poeta, cantô de rua, Que na cidade nasceu, Cante a cidade que é sua, Que eu canto o sertão que é meu.
Se aí você teve estudo, Aqui, Deus me ensinou tudo, Sem de livro precisá Por favô, não mêxa aqui, Que eu também não mexo aí, Cante lá, que eu canto cá.
Você teve inducação, Aprendeu munta ciença, Mas das coisa do sertão Não tem boa esperiença. Nunca fez uma paioça, Nunca trabaiou na roça, Não pode conhecê bem, Pois nesta penosa vida, Só quem provou da comida Sabe o gosto que ela tem.
Pra gente cantá o sertão, Precisa nele morá, Tê armoço de fejão E a janta de mucunzá, Vivê pobre, sem dinhêro, Socado dentro do mato, De apragata currelepe, Pisando inriba do estrepe, Brocando a unha-de-gato.
Você é muito ditoso, Sabe lê, sabe escrevê, Pois vá cantando o seu gozo, Que eu canto meu padecê. Inquanto a felicidade Você canta na cidade, Cá no sertão eu infrento A fome, a dô e a misera. Pra sê poeta divera, Precisa tê sofrimento.
Sua rima, inda que seja Bordada de prata e de ôro, Para a gente sertaneja É perdido este tesôro. Com o seu verso bem feito, Não canta o sertão dereito, Porque você não conhece Nossa vida aperreada. E a dô só é bem cantada, Cantada por quem padece.
Só canta o sertão dereito, Com tudo quanto ele tem, Quem sempre correu estreito, Sem proteção de ninguém, Coberto de precisão Suportando a privação Com paciença de Jó, Puxando o cabo da inxada, Na quebrada e na chapada, Moiadinho de suó.
Amigo, não tenha quêxa, Veja que eu tenho razão Em lhe dizê que não mêxa Nas coisa do meu sertão. Pois, se não sabe o colega De quá manêra se pega Num ferro pra trabaiá, Por favô, não mêxa aqui, Que eu também não mêxo aí, Cante lá que eu canto cá.
Repare que a minha vida É deferente da sua. A sua rima pulida Nasceu no salão da rua. Já eu sou bem deferente, Meu verso é como a simente Que nasce inriba do chão; Não tenho estudo nem arte, A minha rima faz parte Das obra da criação.
Mas porém, eu não invejo O grande tesôro seu, Os livro do seu colejo, Onde você aprendeu. Pra gente aqui sê poeta E fazê rima compreta, Não precisa professô; Basta vê no mês de maio, Um poema em cada gaio E um verso em cada fulô.
Seu verso é uma mistura, É um tá sarapaté, Que quem tem pôca leitura Lê, mais não sabe o que é. Tem tanta coisa incantada, Tanta deusa, tanta fada, Tanto mistéro e condão E ôtros negoço impossive. Eu canto as coisa visive Do meu querido sertão.
Canto as fulô e os abróio Com todas coisa daqui: Pra toda parte que eu óio Vejo um verso se bulí. Se as vêz andando no vale Atrás de curá meus male Quero repará pra serra Assim que eu óio pra cima, Vejo um divule de rima Caindo inriba da terra.
Mas tudo é rima rastêra De fruita de jatobá, De fôia de gamelêra E fulô de trapiá, De canto de passarinho E da poêra do caminho, Quando a ventania vem, Pois você já tá ciente: Nossa vida é deferente E nosso verso também.
Repare que deferença Iziste na vida nossa: Inquanto eu tô na sentença, Trabaiando em minha roça, Você lá no seu descanso, Fuma o seu cigarro mando, Bem perfumado e sadio; Já eu, aqui tive a sorte De fumá cigarro forte Feito de paia de mio.
Você, vaidoso e facêro, Toda vez que qué fumá, Tira do bôrso um isquêro Do mais bonito metá. Eu que não posso com isso, Puxo por meu artifiço Arranjado por aqui, Feito de chifre de gado, Cheio de argodão queimado, Boa pedra e bom fuzí.
Sua vida é divirtida E a minha é grande pená. Só numa parte de vida Nóis dois samo bem iguá: É no dereito sagrado, Por Jesus abençoado Pra consolá nosso pranto, Conheço e não me confundo Da coisa mió do mundo Nóis goza do mesmo tanto.
Eu não posso lhe invejá Nem você invejá eu, O que Deus lhe deu por lá, Aqui Deus também me deu. Pois minha boa muié, Me estima com munta fé, Me abraça, beja e qué bem E ninguém pode negá Que das coisa naturá Tem ela o que a sua tem.
Aqui findo esta verdade Toda cheia de razão: Fique na sua cidade Que eu fico no meu sertão. Já lhe mostrei um ispeio, Já lhe dei grande conseio Que você deve tomá. Por favô, não mexa aqui, Que eu também não mêxo aí, Cante lá que eu canto cá. |
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Dois quadros | ||
Na seca inclemente do nosso Nordeste, O sol é mais quente e o céu mais azul E o povo se achando sem pão e sem veste, Viaja à procura das terra do Sul.
De nuvem no espaço, não há um farrapo, Se acaba a esperança da gente roceira, Na mesma lagoa da festa do sapo, Agita-se o vento levando a poeira.
A grama no campo não nasce, não cresce: Outrora este campo tão verde e tão rico, Agora é tão quente que até nos parece Um forno queimando madeira de angico.
Na copa redonda de algum juazeiro A aguda cigarra seu canto desata E a linda araponga que chamam Ferreiro, Martela o seu ferro por dentro da mata.
O dia desponta mostrando-se ingrato, Um manto de cinza por cima da serra E o sol do Nordeste nos mostra o retrato De um bolo de sangue nascendo da terra.
Porém, quando chove, tudo é riso e festa, O campo e a floresta prometem fartura, Escutam-se as notas agudas e graves Do canto das aves louvando a natura.
Alegre esvoaça e gargalha o jacu, Apita o nambu e geme a juriti E a brisa farfalha por entre as verduras, Beijando os primores do meu Cariri.
De noite notamos as graças eternas Nas lindas lanternas de mil vagalumes. Na copa da mata os ramos embalam E as flores exalam suaves perfumes.
Se o dia desponta, que doce harmonia! A gente aprecia o mais belo compasso. Além do balido das mansas ovelhas, Enxames de abelhas zumbindo no espaço.
E o forte caboclo da sua palhoça, No rumo da roça, de marcha apressada Vai cheio de vida sorrindo, contente, Lançar a semente na terra molhada.
Das mãos deste bravo caboclo roceiro Fiel, prazenteiro, modesto e feliz, É que o ouro branco sai para o processo Fazer o progresso de nosso país. |
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Eu quero | ||
Quero um chefe brasileiro Fiel, firme e justiceiro Capaz de nos proteger Que do campo até à rua O povo todo possua O direito de viver
Quero paz e liberdade Sossego e fraternidade Na nossa pátria natal Desde a cidade ao deserto Quero o operário liberto Da exploração patronal
Quero ver do Sul ao Norte O nosso caboclo forte Trocar a casa de palha Por confortável guarida Quero a terra dividida Para quem nela trabalha
Eu quero o agregado isento Do terrível sofrimento Do maldito cativeiro Quero ver o meu país Rico, ditoso e feliz Livre do jugo estrangeiro
A bem do nosso progresso Quero o apoio do Congresso Sobre uma reforma agrária Que venha por sua vez Libertar o camponês Da situação precária
Finalmemte, meus senhores, Quero ouvir entre os primores Debaixo do céu de anil As mais sonoras notas Dos cantos dos patriotas Cantando a paz do Brasil |
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Flores murchas | ||
Depois do nosso desejado enlace Ela dizia, cheia de carinho, Toda ternura a segredar baixinho: Deixa, querido, que eu te beije a face!
Ah! se esta vida nunca mais passasse! Só vejo rosas, sem um só espinho; Que bela aurora surge em nosso ninho! Que lindo sonho no meu peito nasce!
E hoje, a coitada, sem falar de amor, Em vez daquele natural vigor, Sofre do tempo o mais cruel carimbo.
E assim vivendo, de mazelas cheia, Em vez de beijo, sempre me aperreia Pedindo fumo para o seu cachimbo. |
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Linguage dos óio | ||
Quem repara o corpo humano E com coidado nalisa, Vê que o Autô Soberano Lhe deu tudo o que precisa, Os orgo que a gente tem Tudo serve munto bem, Mas ninguém pode negá Que o Auto da Criação Fez com maior prefeição Os orgo visioná.
Os óio além de chorá, É quem vê a nossa estrada Mode o corpo se livrá De queda e barruada E além de chorá e de vê Prumode nos defendê, Tem mais um grande mistér De admirave vantage, Na sua muda linguage Diz quando qué ou não qué.
Os óios consigo tem Incomparave segredo, Tem o oiá querendo bem E o oiá sentindo medo, A pessoa apaixonada Não precisa dizê nada, Não precisa utilizá A língua que tem na bôca, O oiá de uma caboca Diz quando qué namorá.
Munta comunicação Os óio veve fazendo Por izempro, oiá pidão Dá siná que tá querendo Tudo apresenta na vista, Comparo com o truquista Trabaiando bem ativo Dexando o povo enganado, Os óios pissui dois lado, Positivo e negativo.
Mesmo sem nada falá, Mesmo assim calado e mudo, Os orgo visioná Sabe dá siná de tudo, Quando fica namorado Pela moça despresado Não precisa conversá, Logo ele tá entendendo Os óios dela dizendo, Viva lá que eu vivo cá.
Os óios conversa munto Nele um grande livro inziste Todo repreto de assunto, Por izempro o oiá triste Com certeza tá contando Que seu dono tá passando Um sofrimento sem fim, E o oiá desconfiado Diz que o seu dono é curpado Fez arguma coisa ruim.
Os óis duma pessoa Pode bem sê comparado Com as água da lagoa Quando o vento tá parado, Mas porém no mesmo istante Pode ficá revortante Querendo desafiá, Infuricido e valente; Neste dois malandro a gente Nunca pode confiá.
Oiá puro, manso e terno, Protetó e cheio de brio É o doce oiá materno Pedindo para o seu fio Saúde e felicidade Este oiá de piedade De perdão e de ternura Diz que preza, que ama e estima É os óio que se aproxima Dos óio da Virge Pura.
Nem mesmo os grande oculista, Os dotô que munta estuda, Os mais maió cientista, Conhece a lingua muda Dos orgo visioná E os mais ruim de decifrá De todos que eu tô falando, É quando o oiá é zanoio, Ninguém sabe cada óio Pra onde tá reparando. |
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Mãe preta | ||
O coração do inocente, É como a terra estrumada, Qui a gente pranta a simente E a mesma nace corada, Lutrida e munto viçosa. Na nossa infança ditosa, Quando o amô e a simpatia Toma conta da criança, Esta sodosa lembrança Vai batê na cova fria.
Quem pela infança passou, O meu dito considera, Eu quero, com grande amô, Dizê Mãe Preta quem era. - Mãe Preta dava a impressão Da noite de iscuridão, com seus mistero profundo, Iscondendo seus praneta; Foi ela a preta mais preta Das preta qui eu vi no mundo.
Mas porém, sua arma pura, Era branca como a orora, E tinha a doce ternura Da Virge Nossa Senhora. Quando amanhecia o dia, Pra minha rede ela ia Dizendo palavra bela; Pra cuzinha me levava E um cafezim eu tomava Sentado no colo dela.
Quando as minha brincadêra Causava contrariedade A minha mãe verdadêra Com a sua otoridade, As vez brigava comigo E num gesto de castigo, Botava os óio pra mim, Mas porém, não me batia, Somente pruque sabia Qui mãe preta achava ruim.
Por isso eu não tinha medo, Sempre contente vivia Mexendo nos meus brinquedo E fazendo istripolia. Dentro de nossa morada, Pra mim não fartava nada, O meu mundo era Mãe Preta; Foi ela quem me ensinou Muntas cantiga de amô, E brincá de carrapeta.
Se as vez eu brincando tava De barbuleta a pegá, E impaciente ficava Inraivicido a chorá, Ela com munta alegria, Um certo jeito fazia, Com carinho e com amô, Apanhava as barbuleta; Foi ela uma santa preta, Que o mundo de Deus criou.
Se chegava a noite iscura Com seus negrume sem fim, Ela com toda ternura, Chegava perto de mim Uma coisa cochichava E depois qui me bejava, Me levava pra dromida Sobre os seus braços lustroso. Aquilo sim, era gozo, Aquilo sim, era vida.
E despois de me deitá Na minha pequena rede, Balançava devagá Pra não batê na parede, Contando estes lindos verso Qui neste grande universo Ôtros mais belo não vi, E enquanto ela balançava E estes versinho cantava, Eu percurava dromi.
Dorme, dorme, meu menino, Já chegou a escuridão, A treva da noite escura Está cheia de papão.
No teu sono terás beijos Da rosa e do bugari E os espíritos benfazejos Te defendem do saci.
Dorme, dorme, meu menino, Já chegou a escuridão A treva da noite escura Está cheia de papão.
Dorme teu sono inocente Com Jesus e com Maria, Até chegar novamente O clarão do novo dia.
Iscutando com respeito Estes verso pequenino, Eu sintia no meu peito Tudo quanto era divino; Nem tuada sertaneja, Nem os bendito da igreja, Nem os toque de retreta, In mim ficaro gravado, Como estes versos cantado Por minha boa Mãe Preta.
Mas porém, eu bem menino, Qui nem sabia pecá, Os ispinho do destino Começaro a me furá. Mãe Preta qui era contente, tava um dia deferente. Preguntei o que ela tinha E assim que ela oiô pra eu Dois pingo d'água desceu Dos óio da coitadinha.
Daquele dia pra cá, Minha amorosa Mãe Preta, Não pôde mais me ajudá Nas pega de barbuleta, Sem prazê, sem alegria Dentro de um quarto vivia, O dia e a noite intêra, Sem achá consolação, Inriba de seu croxão De foia de bananera.
Quando ela pra mim oiava, Como quem sente um desgosto, A minha mão apertava E o pranto banhava o rosto. Divido este sofrimento, Naquele seu aposento, No quarto onde ela viva, Me improibiro de entrá, Promode não magoá As dô que a pobe sintia.
Eu mesmo dizê não sei Qual foi a surpresa minha, Quando um dia eu acordei, Bem cedo domenhãzinha Entrei na sala e dei fé Qui um magote de muié Tava rezando oração; E vi Mãe Preta vestida Numa ropona comprida, Arva, da cô de argodão.
Sinti no peito um cansaço, Depois uns home chegaro Levantaro ela nos braço E numa rede botaro. A rede tava amarrada Numa peça perparada De madêra bem polida, E naquela mesma hora, Levaro de estrada afora Minha Mãe Preta querida.
Mamãe com todo carinho, Chorando um bêjo me deu E me disse - meu fiinho, Sua Mãe Preta morreu! E ôtras coisa me dizendo, Sinti meu corpo tremendo, Me jurguei um pobre réu, Sem consolo e sem prazê, Com vontade de morrê, Pra vê Mãe Preta no céu.
O coração do inocente, É como terra estrumada Que a gente pranta a semente, E a mesma nasce corada Lutrida e munto viçosa; Na nossa infança ditosa, Quando o amô e a simpatia Toma conta da criança, Esta sodosa lembrança Vai batê na cova fria. |
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Nordestino sim, Nordestinado não | ||
Nunca diga nordestino Que Deus lhe deu um destino Causador do padecer Nunca diga que é o pecado Que lhe deixa fracassado Sem condições de viver
Não guarde no pensamento Que estamos no sofrimento É pagando o que devemos A Providência Divina Não nos deu a triste sina De sofrer o que sofremos
Deus o autor da criação Nos dotou com a razão Bem livres de preconceitos Mas os ingratos da terra Com opressão e com guerra Negam os nossos direitos
Não é Deus quem nos castiga Nem é a seca que obriga Sofrermos dura sentença Não somos nordestinados Nós somos injustiçados Tratados com indiferença
Sofremos em nossa vida Uma batalha renhida Do irmão contra o irmão Nós somos injustiçados Nordestinos explorados Mas nordestinados não
Há muita gente que chora Vagando de estrada afora Sem terra, sem lar, sem pão Crianças esfarrapadas Famintas, escaveiradas Morrendo de inanição
Sofre o neto, o filho e o pai Para onde o pobre vai Sempre encontra o mesmo mal Esta miséria campeia Desde a cidade à aldeia Do Sertão à capital
Aqueles pobres mendigos Vão à procura de abrigos Cheios de necessidade Nesta miséria tamanha Se acabam na terra estranha Sofrendo fome e saudade
Mas não é o Pai Celeste Que faz sair do Nordeste Legiões de retirantes Os grandes martírios seus Não é permissão de Deus É culpa dos governantes
Já sabemos muito bem De onde nasce e de onde vem A raiz do grande mal Vem da situação crítica Desigualdade política Econômica e social
Somente a fraternidade Nos traz a felicidade Precisamos dar as mãos Para que vaidade e orgulho Guerra, questão e barulho Dos irmãos contra os irmãos
Jesus Cristo, o Salvador Pregou a paz e o amor Na santa doutrina sua O direito do bangueiro É o direito do trapeiro Que apanha os trapos na rua
Uma vez que o conformismo Faz crescer o egoísmo E a injustiça aumentar Em favor do bem comum É dever de cada um Pelos direitos lutar
Por isso vamos lutar Nós vamos reivindicar O direito e a liberdade Procurando em cada irmão Justiça, paz e união Amor e fraternidade
Somente o amor é capaz E dentro de um país faz Um só povo bem unido Um povo que gozará Porque assim já não há Opressor nem oprimido |
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O peixe | ||
Tendo por berço o lago cristalino, Folga o peixe, a nadar todo inocente, Medo ou receio do porvir não sente, Pois vive incauto do fatal destino.
Se na ponta de um fio longo e fino A isca avista, ferra-a insconsciente, Ficando o pobre peixe de repente, Preso ao anzol do pescador ladino.
O camponês, também, do nosso Estado, Ante a campanha eleitoral, coitado! Daquele peixe tem a mesma sorte.
Antes do pleito, festa, riso e gosto, Depois do pleito, imposto e mais imposto. Pobre matuto do sertão do Norte! |
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O poeta da roça | ||
Sou fio das mata, cantô da mão grossa, Trabáio na roça, de inverno e de estio. A minha chupana é tapada de barro, Só fumo cigarro de páia de mío.
Sou poeta das brenha, não faço o papé De argum menestré, ou errante cantô Que veve vagando, com sua viola, Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei, Apenas eu sei o meu nome assiná. Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre, E o fio do pobre não pode estudá.
Meu verso rastêro, singelo e sem graça, Não entra na praça, no rico salão, Meu verso só entra no campo e na roça Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
Só canto o buliço da vida apertada, Da lida pesada, das roça e dos eito. E às vez, recordando a feliz mocidade, Canto uma sodade que mora em meu peito.
Eu canto o cabôco com suas caçada, Nas noite assombrada que tudo apavora, Por dentro da mata, com tanta corage Topando as visage chamada caipora.
Eu canto o vaquêro vestido de côro, Brigando com o tôro no mato fechado, Que pega na ponta do brabo novio, Ganhando lugio do dono do gado.
Eu canto o mendigo de sujo farrapo, Coberto de trapo e mochila na mão, Que chora pedindo o socorro dos home, E tomba de fome, sem casa e sem pão.
E assim, sem cobiça dos cofre luzente, Eu vivo contente e feliz com a sorte, Morando no campo, sem vê a cidade, Cantando as verdade das coisa do Norte. |
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O sabiá e o gavião | ||
Eu nunca falei à toa. Sou um cabôco rocêro, Que sempre das coisa boa Eu tive um certo tempero. Não falo mal de ninguém, Mas vejo que o mundo tem Gente que não sabe amá, Não sabe fazê carinho, Não qué bem a passarinho, Não gosta dos animá.
Já eu sou bem deferente. A coisa mió que eu acho É num dia munto quente Eu i me sentá debaxo De um copado juazêro, Prá escutá prazentêro Os passarinho cantá, Pois aquela poesia Tem a mesma melodia Dos anjo celestiá.
Não há frauta nem piston Das banda rica e granfina Pra sê sonoroso e bom Como o galo de campina, Quando começa a cantá Com sua voz naturá, Onde a inocença se incerra, Cantando na mesma hora Que aparece a linda orora Bejando o rosto da terra.
O sofreu e a patativa Com o canaro e o campina Tem canto que me cativa, Tem musga que me domina, E inda mais o sabiá, Que tem premêro lugá, É o chefe dos serestêro, Passo nenhum lhe condena, Ele é dos musgo da pena O maiô do mundo intêro.
Eu escuto aquilo tudo, Com grande amô, com carinho, Mas, às vez, fico sisudo, Pruquê cronta os passarinho Tern o gavião maldito, Que, além de munto esquisito, Como iguá eu nunca vi, Esse monstro miserave É o assarsino das ave Que canta pra gente uví.
Muntas vez, jogando o bote, Mais pió de que a serpente, Leva dos ninho os fiote Tão lindo e tão inocente. Eu comparo o gavião Com esses farão cristão Do instinto crué e feio, Que sem ligá gente pobre Quê fazê papé de nobre Chupando o suó alêio.
As Escritura não diz, Mas diz o coração meu: Deus, o maió dos juiz, No dia que resorveu A fazê o sabiá Do mió materiá Que havia inriba do chão, O Diabo, munto inxerido, Lá num cantinho, escondido, Também fez o gavião.
De todos que se conhece Aquele é o passo mais ruim É tanto que, se eu pudesse, Já tinha lhe dado fim. Aquele bicho devia Vivê preso, noite e dia, No mais escuro xadrez. Já que tô de mão na massa, Vou contá a grande arruaça Que um gavião já me fez.
Quando eu era pequenino, Saí um dia a vagá Pelos mato sem destino, Cheio de vida a iscutá A mais subrime beleza Das musga da natureza E bem no pé de um serrote Achei num pé de juá Um ninho de sabiá Com dois mimoso fiote.
Eu senti grande alegria, Vendo os fíote bonito. Pra mim eles parecia Dois anjinho do Infinito. Eu falo sero, não minto. Achando que aqueles pinto Era santo, era divino, Fiz do juazêro igreja E bejei, como quem bêja Dois Santo Antõi pequenino.
Eu fiquei tão prazentêro Que me esqueci de armoçá, Passei quage o dia intêro Naquele pé de juá. Pois quem ama os passarinho, No dia que incronta um ninho, Somente nele magina. Tão grande a demora foi, Que mamãe (Deus lhe perdoi) Foi comigo à disciprina.
Meia légua, mais ou meno, Se medisse, eu sei que dava, Dali, daquele terreno Pra paioça onde eu morava. Porém, eu não tinha medo, Ia lá sempre em segredo, Sempre. iscondido, sozinho, Temendo que argúm minino, Desses perverso e malino Mexesse nos passarinho.
Eu mesmo não sei dizê O quanto eu tava contente Não me cansava de vê Aqueles dois inocente. Quanto mais dia passava, Mais bonito eles ficava, Mais maió e mais sabido, Pois não tava mais pelado, Os seus corpinho rosado Já tava tudo vestido.
Mas, tudo na vida passa. Amanheceu certo dia O mundo todo sem graça, Sem graça e sem poesia. Quarqué pessoa que visse E um momento refritisse Nessa sombra de tristeza, Dava pra ficá pensando Que arguém tava malinando Nas coisa da Natureza.
Na copa dos arvoredo, Passarinho não cantava. Naquele dia, bem cedo, Somente a coã mandava Sua cantiga medonha. A menhã tava tristonha Como casa de viúva, Sem prazê, sem alegria E de quando em vez, caía Um sereninho de chuva.
Eu oiava pensativo Para o lado do Nascente E não sei por quá motivo O só nasceu diferente, Parece que arrependido, Detrás das nuve, escondido. E como o cabra zanôio, Botava bem treiçoêro, Por detrás dos nevoêro, Só um pedaço do ôio.
Uns nevoêro cinzento Ia no espaço correndo. Tudo naquele momento Eu oiava e tava vendo, Sem alegria e sem jeito, Mas, porém, eu sastifeito, Sem com nada me importá, Saí correndo, aos pinote, E fui repará os fiote No ninho do sabiá.
Cheguei com munto carinho, Mas, meu Deus! que grande agôro! Os dois véio passarinho Cantava num som de choro. Uvindo aquele grogeio, Logo no meu corpo veio Certo chamego de frio E subindo bem ligêro Pras gaia do juazêro, Achei o ninho vazio.
Quage que eu dava um desmaio, Naquele pé de juá E lá da ponta de um gaio, Os dois véio sabiá Mostrava no triste canto Uma mistura de pranto, Num tom penoso e funéro, Parecendo mãe e pai, Na hora que o fio vai Se interrá no cimitéro.
Assistindo àquela cena, Eu juro pelo Evangéio Como solucei com pena Dos dois passarinho véio E ajudando aquelas ave, Nesse ato desagradave, Chorei fora do comum: Tão grande desgosto tive, Que o meu coração sensive Omentou seus baticum.
Os dois passarinho amado Tivero sorte infeliz, Pois o gavião marvado Chegou lá, fez o que quis. Os dois fiote tragou, O ninho desmantelou E lá pras banda do céu, Depois de devorá tudo, Sortava o seu grito agudo Aquele assassino incréu.
E eu com o maiô respeito E com a suspiração perra, As mão posta sobre o peito E os dois juêio na terra, Com uma dó que consome, Pedi logo em santo nome Do nosso Deus Verdadêro, Que tudo ajuda e castiga: Espingarda te preciga, Gavião arruacêro!
Sei que o povo da cidade Uma idéia inda não fez Do amô e da caridade De um coração camponês. Eu sinto um desgosto imenso Todo momento que penso No que fez o gavião. E em tudo o que mais me espanta É que era Semana Santa! Sexta-fêra da Paixão!
Com triste rescordação Fico pra morrê de pena, Pensando na ingratidão Naquela menhã serena Daquele dia azalado, Quando eu saí animado E andei bem meia légua Pra bejá meus passarinho E incrontei vazio o ninho! Gavião fí duma égua! |
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O vaqueiro | ||
Eu venho dêrne menino, Dêrne munto pequenino, Cumprindo o belo destino Que me deu Nosso Senhô. Eu nasci pra sê vaquêro, Sou o mais feliz brasilêro, Eu não invejo dinhêro, Nem diproma de dotô.
Sei que o dotô tem riquêza, É tratado com fineza, Faz figura de grandeza, Tem carta e tem anelão, Tem casa branca jeitosa E ôtas coisa preciosa; Mas não goza o quanto goza Um vaquêro do sertão.
Da minha vida eu me orgúio, Levo a Jurema no embrúio Gosto de ver o barúio De barbatão a corrê, Pedra nos casco rolando, Gaios de pau estralando, E o vaquêro atrás gritando, Sem o perigo temê.
Criei-me neste serviço, Gosto deste reboliço, Boi pra mim não tem feitiço, Mandinga nem catimbó. Meu cavalo Capuêro, Corredô, forte e ligêro, Nunca respeita barsêro De unha de gato ou cipó.
Tenho na vida um tesôro Que vale mais de que ôro: O meu liforme de côro, Pernêra, chapéu, gibão. Sou vaquêro destemido, Dos fazendêro querido, O meu grito é conhecido Nos campo do meu sertão.
O pulo do meu cavalo Nunca me causou abalo; Eu nunca sofri um galo, pois eu sei me desviá. Travesso a grossa chapada, Desço a medonha quebrada, Na mais doida disparada, Na pega do marruá.
Se o bicho brabo se acoa, Não corro nem fico à tôa: Comigo ninguém caçoa, Não corro sem vê de quê. É mêrmo por desaforo Que eu dou de chapéu de côro Na testa de quarqué tôro Que não qué me obedecê.
Não dou carrêra perdida, Conheço bem esta lida, Eu vivo gozando a vida Cheio de satisfação. Já tou tão acostumado Que trabaio e não me enfado, Faço com gosto os mandado Das fia do meu patrão.
Vivo do currá pro mato, Sou correto e munto izato, Por farta de zelo e trato Nunca um bezerro morreu. Se arguém me vê trabaiando, A bezerrama curando, Dá pra ficá maginando Que o dono do gado é eu.
Eu não invejo riqueza Nem posição, nem grandeza, Nem a vida de fineza Do povo da capitá. Pra minha vida sê bela Só basta não fartá nela Bom cavalo, boa sela E gado preu campeá.
Somente uma coisa iziste, Que ainda que teja triste Meu coração não resiste E pula de animação. É uma viola magoada, Bem chorosa e apaxonada, Acompanhando a toada Dum cantadô do sertão.
Tenho sagrado direito De ficá bem satisfeito Vendo a viola no peito De quem toca e canta bem. Dessas coisa sou herdêro, Que o meu pai era vaquêro, Foi um fino violêro E era cantadô tombém.
Eu não sei tocá viola, Mas seu toque me consola, Verso de minha cachola Nem que eu peleje não sai, Nunca cantei um repente Mas vivo munto contente, Pois herdei perfeitamente Um dos dote de meu pai.
O dote de sê vaquêro, Resorvido marruêro, Querido dos fazendêro Do sertão do Ceará. Não perciso maió gozo, Sou sertanejo ditoso, O meu aboio sodoso Faz quem tem amô chorá. |
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Vaca Estrela e boi Fubá | ||
Seu doutor me dê licença pra minha história contar. Hoje eu tô na terra estranha, é bem triste o meu penar Mas já fui muito feliz vivendo no meu lugar. Eu tinha cavalo bom e gostava de campear. E todo dia aboiava na porteira do curral.
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela, ô ô ô ô Boi Fubá.
Eu sou filho do Nordeste , não nego meu naturá Mas uma seca medonha me tangeu de lá pra cá Lá eu tinha o meu gadinho, num é bom nem imaginar, Minha linda Vaca Estrela e o meu belo Boi Fubá Quando era de tardezinha eu começava a aboiar
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela, ô ô ô ô Boi Fubá.
Aquela seca medonha fez tudo se atrapalhar, Não nasceu capim no campo para o gado sustentar O sertão esturricou, fez os açude secar Morreu minha Vaca Estrela, já acabou meu Boi Fubá Perdi tudo quanto tinha, nunca mais pude aboiar
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela, ô ô ô ô Boi Fubá.
Hoje nas terra do sul, longe do torrão natá Quando eu vejo em minha frente uma boiada passar, As água corre dos olho, começo logo a chorá Lembro a minha Vaca Estrela e o meu lindo Boi Fubá Com saudade do Nordeste, dá vontade de aboiar
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela, ô ô ô ô Boi Fubá. |
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Material recolhido em: |
Patativa do Assaré ( Antônio
Gonçalves da Silva ) "Cante lá, que eu canto cá" Editora Vozes - 1978/ RJ
Patativa do Assaré ( Antônio Gonçalves da Silva ) "Ispinho e fulô" Editora Vozes - 1990/ RJ |
® Romero Tavares da Silva